A cada remada no skate um problema se distancia. A pista e a rampa, construídas na praça Irmã Katerina, há poucos anos, agora são um refúgio, ao invés de mero hobby pro Ruan.
Garanto que o cara tem história pra contar e não é qualquer merdinha da moda.
Ele vem vivendo as suas "desventuras em série" e aguentando as pontas sozinho. Sua mãe conheceu um homem mais velho em 2016 e tá engatada num relacionamento mal pensado desde então.
O nome do animal é Herivelto. A ingênua mulher se deixou iludir e perdeu toda a grana que recebeu de herança do marido falecido, pai do Ruan, morto num assalto em Junho de 2013.
Seria a quantia exata pra mãe e filho terem uma poupança digna por um longo período e, também, pro garoto cursar uma faculdade decente. Entretanto, o trambiqueiro, namorado da moça, detonou as contas bancárias da família Ferrari em jogos e apostas.
Fora que é o tipo de covarde que agride a companheira quando tá chapado.
Melinda, mãe do Ruan, vive cheia de hematomas:
– “Queda da escada", "escorregão no quintal"; ou "é o jeito dele... Nada demais... Eu me entendo com o Heri..."
Enfim, o jovem skatista tá no seu limite. Largado no mundo, sem ter em quem confiar e prestes a explodir. Ele não sabe mais o que falar nem o que fazer. Ninguém o escuta, ou quer escutar... Ou consegue escutar, no caso.
Aliás, Ruan fala uma língua diferente dos demais, manja? Nem tem vontade de puxar uma conversa. Chega um momento em que cansamos (alienígenas como nós) de nos desperdiçarmos por aí.
A capacidade de nos iludirmos se esvai do nada – "Puff!"
O canalha do Herivelto cada hora arranja uma desculpa nova pra usar o nome da Melinda pra conseguir mais dinheiro em bancos e até com agiotas e a trouxa cai na lorota.
Semana passada Ruan ouviu sua mãe no celular papeando com uma amiga:
– "Não dá mais, Ana. Mandei embora esse parasita e não quero mais vê-lo! Meu braço tá roxo e dolorido!"
Será pra valer? Uhm... Não sei.
Só sei que o Ru abominou suspeitar que o maldito bateu na sua mãe. A vingança manifestada em uma surra pra arrancar dentes, dedos e sangue do tal Herivelto começou a ser um desejo profundo do garoto, ainda que o porco tenha o dobro do tamanho do menino, seja um armário e policial recém aposentado... E envolvido com Deus sabe qual o tipo de ação criminosa.
Abençoada praça Irmã Katerina, hein, irmão?! Onde sua mente é expandida e não é reduzida ao limite alheio pra caber nas situações. Seus pensamentos se organizam em busca de solução pras questões do dia a dia... E seus sonhos ganham poder de concretização. Poxa, o skate, a música, o goró e a força da noite dão uma restaurada no moleque.
Vinte e oito anos, porém parece ter vivido oitenta, graças ao estresse.
Ele está cercado de vários "amigos", mas ao mesmo tempo tem nenhum. É somente companhia pra distrair a cabeça e impedir que o pânico, a ansiedade e os ataques espirituais tomem conta de si.
Ruan circula por muitas dimensões em outros tempos e espaços. Isso consome a pessoa, principalmente quando não há companhia, retaguarda, pra dividir o fardo desse cotidiano.
Mais uma remada no skate e sai um ollie. De novo uma remada e sai um kickflip. E Ruan vai conseguindo afastar pouco dos seus medos e angustias.
Os tracks, na JBL apoiada no banco de concreto no pé da seringueira, são a trilha sonora que faz parecer tudo um clipe musical. Toca de Korn a Type O Negative; de Twenty One Pilots a Limp Bizkit; de Charlie Brown Jr. a Raimundos; e o rapaz, iluminado pela luz urbana alaranjada dos postes da praça, parece estar sendo destacado por um holofote.
Esta é a sua vida, Ruan. Pura e única. Um espetáculo dramático, contudo, com doses cavalares de amor, fraternidade e comédia reservadas prum futuro nada distante.
Às vezes lágrimas caem de seus olhos. Salgam e consagram o chão por onde o Ru desenrola as manobras. Dá pra ver elas reluzirem de longe, como pequenos cristais cadentes, símbolos de esperança e da convicção de que as coisas vão mudar... É possível sentir nos ossos!
Imerso na liberdade noturna e com os olhos treinados pra identificar os sinais enviados pelas Estrelas, Ruan sabe que, muito em breve, será resgatado e, merecidamente, retornará a ter o porto seguro que tanto quer e necessita.
A sua vida apenas começou, irmão.
Até agora você somente esteve camuflado e se guardando pro melhor.
Tamo junto!
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Texto, desenho e foto por Dan DellaMorta
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