segunda-feira, 20 de junho de 2022

• Crônicas de um Xandariano | Café, refúgio na praia e divã.


O barulho do trovão, abafado pelas janelas fechadas, embalou a pergunta que me foi feita:

– Como tem passado, cabra? – Tá aí uma questão delicada.

Capitão Zé Alício, amigo de longa data, me visitara nessa noite no apê litorâneo que aluguei há uns dias pra escapar do caos humano e queria saber sobre mim. 

Impossível não expor o óbvio, ainda mais prum irmão. 

Cutucar a ferida é tenso, mas creio que é a única forma de forçar a cicatrização. Vai saber se essa conversa é um antisséptico espiritual...

– Cap., to aqui e agora – Comecei respondendo, mesmo sem saber direito o rumo da prosa – Lutando pra sobreviver. Tá foda. Todo dia é um desencontro novo... Todo dia é a velha ladainha de buscar e nunca encontrar e nem ser encontrado. E as armadilhas então, rapaz?!

Sentado numa cadeira e debruçado na mesa, com seus anéis de prata refletindo a luz lá de fora da iluminação pública, Cap. acendeu seu cigarro, tragou, segurou a fumaça e em seguida expirou observando a chuva caindo na rua.

– Bichinho, pra que carregar essa bigorna no peito? – Indaga Cap. com seu sotaque cearense – Pra variar você parou pra notar ao lado de quem tem andado? Os tipos de enredo trazidos? Já te disse que quando sentir a cabeça desnorteada é por conta daquilo assimilado do “vizinho”. Nada foge do que tu já conhece.

Cap. sempre correto. 

Ele é verdadeiro e clareia as ideias até da mente mais envolvida pelas sombras. 

A solução desses problemas até parece evidente, porém só parece. Qualquer palavra dita em momento de crise é bálsamo. Ainda mais se vinda daqueles que compreendem na íntegra o dilema... E sem julgamentos.

Após escutar meu amigo puxei a cadeira estofada da mesa e sentei ali de frente pra ele. Peguei um cigarro e servi café quente e amargo pra nós:

– Cap., você tem razão. Eu complico muito as cois...

– Nada, homi! – Me cortou – São apenas ossos do ofício... Nem se envergonhe. Somente seja mais forte do que os demônios. Mostre o poder da chefia! Foco nas alturas, lembra? Só assim não vai desperdiçar o melhor de ti.

– Cap.? – Aproveitei a deixa pra perguntar – Acha que to ficando doido? É inaceitável que meus sonhos, as vozes e os olhares sejam frutos da imaginação. São fortes demais pra isso. Sei o que vejo. Você sabe do fundamento. 

Levantei da cadeira e parei de frente à janela molhada e fiquei olhando os balanços do parque sendo movidos pelo vento:

– Sinto presenças na redondeza. Claro, ninguém se revela. Entretanto, se essas pessoas podem ser identificadas nesse grau de Magia Cósmica, é porque são como nós. Enfim, a sensação de tentar agarrar o vento é desesperadora... Sei que estão perto, porém onde?!

– Hahaha! – Cap. riu alto – Quantas vezes seu coração errou, homi? Paciência! O medo distorce sua visão. O que tu vê tu vê!

Uma mistura de entusiasmo e “esperança renovada” me fez chorar. 

Tanta coisa azucrinando a mente e, do nada, um amigo alivia meu stress e restaura minha fé através de uma conversa honesta e fraternal.

Ao invés dos trovões, agora a música “Darkness Darkness”, do Robert Plant, compunha a trilha sonora. A seleção aleatória do celular foi oportuna pra caralho.

Fechei os olhos.

Respirei fundo. 

Traguei a música como se tragasse o cigarro e a segurei dentro de mim. 




Caralho, mew... 

A vida nunca esteve tão real.





Texto, desenho e foto por Dan DellaMorta

Vídeo Robert Plant - Darkness Darkness extraído do Youtube.

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