O barulho do trovão, abafado pelas janelas fechadas, embalou a pergunta que me foi feita:
– Como tem passado, cabra? – Tá aí uma questão delicada.
Capitão Zé Alício, amigo de longa data, me visitara nessa noite no apê litorâneo que aluguei há uns dias pra escapar do caos humano e queria saber sobre mim.
Impossível não expor o óbvio, ainda mais prum irmão.
Cutucar a ferida é tenso, mas creio que é a única forma de forçar a cicatrização. Vai saber se essa conversa é um antisséptico espiritual...
– Cap., to aqui e agora – Comecei respondendo, mesmo sem saber direito o rumo da prosa – Lutando pra sobreviver. Tá foda. Todo dia é um desencontro novo... Todo dia é a velha ladainha de buscar e nunca encontrar e nem ser encontrado. E as armadilhas então, rapaz?!
Sentado numa cadeira e debruçado na mesa, com seus anéis de prata refletindo a luz lá de fora da iluminação pública, Cap. acendeu seu cigarro, tragou, segurou a fumaça e em seguida expirou observando a chuva caindo na rua.
– Bichinho, pra que carregar essa bigorna no peito? – Indaga Cap. com seu sotaque cearense – Pra variar você parou pra notar ao lado de quem tem andado? Os tipos de enredo trazidos? Já te disse que quando sentir a cabeça desnorteada é por conta daquilo assimilado do “vizinho”. Nada foge do que tu já conhece.
Cap. sempre correto.
Ele é verdadeiro e clareia as ideias até da mente mais envolvida pelas sombras.
A solução desses problemas até parece evidente, porém só parece. Qualquer palavra dita em momento de crise é bálsamo. Ainda mais se vinda daqueles que compreendem na íntegra o dilema... E sem julgamentos.
Após escutar meu amigo puxei a cadeira estofada da mesa e sentei ali de frente pra ele. Peguei um cigarro e servi café quente e amargo pra nós:
– Cap., você tem razão. Eu complico muito as cois...
– Nada, homi! – Me cortou – São apenas ossos do ofício... Nem se envergonhe. Somente seja mais forte do que os demônios. Mostre o poder da chefia! Foco nas alturas, lembra? Só assim não vai desperdiçar o melhor de ti.
– Cap.? – Aproveitei a deixa pra perguntar – Acha que to ficando doido? É inaceitável que meus sonhos, as vozes e os olhares sejam frutos da imaginação. São fortes demais pra isso. Sei o que vejo. Você sabe do fundamento.
Levantei da cadeira e parei de frente à janela molhada e fiquei olhando os balanços do parque sendo movidos pelo vento:
– Sinto presenças na redondeza. Claro, ninguém se revela. Entretanto, se essas pessoas podem ser identificadas nesse grau de Magia Cósmica, é porque são como nós. Enfim, a sensação de tentar agarrar o vento é desesperadora... Sei que estão perto, porém onde?!
– Hahaha! – Cap. riu alto – Quantas vezes seu coração errou, homi? Paciência! O medo distorce sua visão. O que tu vê tu vê!
Uma mistura de entusiasmo e “esperança renovada” me fez chorar.
Tanta coisa azucrinando a mente e, do nada, um amigo alivia meu stress e restaura minha fé através de uma conversa honesta e fraternal.
Ao invés dos trovões, agora a música “Darkness Darkness”, do Robert Plant, compunha a trilha sonora. A seleção aleatória do celular foi oportuna pra caralho.
Fechei os olhos.
Respirei fundo.
Traguei a música como se tragasse o cigarro e a segurei dentro de mim.
Caralho, mew...
A vida nunca esteve tão real.
•
Texto, desenho e foto por Dan DellaMorta
Vídeo Robert Plant - Darkness Darkness extraído do Youtube.
Me siga também no Insta - @dellamortabros
Se inscreva no meu canal do Youtube, curta meus vídeos e compartilhe - Códigos de Órion
https://www.youtube.com/channel/UCLCyNhGFcywDFhbYECWHHsA
Nenhum comentário:
Postar um comentário